quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Há coisas assim

Acabadinho de chegar de Espanha, depois de uma manhã a debitar construtivismos e coisas afins e de um almoço - que durou praí 4 horas - feito de tapas e (muito) vinho tinto, onde pessoas com mais de quarenta anos discutiam da mesma forma, com os mesmos argumentos, a velha discussão " o que querem os homens/o que querem as mulheres/é assim que se conquistam homens/é assim que se conquistam mulheres/o que é o amor?", da mesma forma, dizia, como eu discutia o mesmissimo tema desde os 16 anos (o que quer dizer que não há solução e que é o tema preferido de toda a gente, independentemente da idade e da nacionalidade), chego à minha sala, acendo um marlboro português - para mim são diferentes dos espanhois, franceses, holandeses e etc - ligo a net para ver o e-mail - nada de especial - e venho até ao blog.
Nos caracois, um desafio da Elentári (desculpa querida, mas vou passar. soa-me a versão bloguista das cartas em cadeia, mas até estou curioso para ver o que o resto da malta escreve), decido ir até ao qmq, só porque tinha alí o link.
Para além da surpresa (boa) de ver o blog activo, um arrepio na espinha, uma certa comoção, uma lagrimazinha no canto do olho ao ler um certo poema de uma certa música de um tal de Jorge Palma. E de repente estou em 1998, em Mira, depois em Coimbra, depois já não sei aonde. E aquela velha discussão, tema preferido de toda a gente, independentemente da idade e da nacionalidade, típico acompanhamento de umas garrafas de vinho tinto, surge com nova clareza: discutimos sempre a mesma coisa, com um fundo, que todos nós vivemos, dificil de definir, tantas vezes transitório, tantas vezes profundo, tantas vezes sentimento fundamental, asfixiante e libertador ao mesmo tempo. Sentimento de que nos podemos lembrar inadvertidamente, que nos surge como actual com uma letra do Jorge Palma, lida num blog de uma amiga e que nos leva a levantar da cadeira, a ir procurar o disco que tem

O meu amor tem lábios de silêncio
e mãos de bailarina
E voa como vento
e braça-me onde a solidão termina

O meu amor tem trinta mil cavalos
a galopar no peito
e sorrisso só dela
quando a seu lado eu me deito

(...)

E aí está porque continuamos a discutir, a teorizar, a tentar encontrar razões onde elas não existem porque o que tentamos compreender não precisa de razões. É.
Porque todos nós, pelo menos uma vez, nos sentimos completos junto de outra pessoa.
Não é a pessoa que nos move, é, tal qual uma droga, este efeito fantástico, paradoxal, de prazer e mal-estar que nos faz andar "enquanto houver estrada pra andar". Alguns dizem que é "amor". Outros terão diferentes palavras. Nada disso interessa. Interessa viver "isso". Interessa, a partir de uma letra que nos leva a uma música, que os leva a um sítio, que nos leva a uma face, que nos leva a um sorriso, que nos leva a um beijo dado no passado, recordar, pensar: A vida é bela porque tem destas coisas.

6 Comments:

At 1:13 da tarde, fevereiro 10, 2006, Blogger Castromind said...

O Carlos do Carmo é o Binomio de Newton do Jorge "Venus de Milo" Palma.

Estrela da Tarde

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!


Poema de José Carlos Ary dos Santos

 
At 3:14 da tarde, fevereiro 10, 2006, Blogger Alexandre said...

Pá.... um dos melhores posts deste blog até à data...

 
At 3:36 da tarde, fevereiro 10, 2006, Blogger Ísis Osíris said...

lindo. e quase fiquei a pensar que a tal musa inspiradora tinha aparecido ;)

 
At 5:16 da tarde, fevereiro 10, 2006, Blogger Lela said...

Sei bem do que falas... Para mim esse é o verdadeiro sentido da vida... Amar e ser amado. Sem como nem porquê. Sem sempre nem nunca. Porque um só momento desse sentimento faz com toda uma vida valha a pena...

 
At 3:03 da manhã, fevereiro 11, 2006, Blogger Elentári said...

Belo post! Belo mesmo.
Obrigada pela visita ao meu humilde blogue. Ainda bem que gostaste do que viste. Eu gostei mesmo foi deste post. Bj

 
At 2:41 da tarde, fevereiro 18, 2006, Blogger Rainha das cores said...

também gostei muito!
simples, rico e certeiro
*clap*clap*

 

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