Para o Pêndulo
Decidi arrumar tudo o que me fizesse lembrar a pessoa com quem tinha partilhado 30 anos. Enquanto arrumava as fotografias do alto do monte das lembranças, pensava nas várias provas de amor destes longos anos. Agora não sobra nada para provar que te amo. Quero voltar para perto de ti, tão depressa quanto possível. Aqui está frio, sinto um nevoeiro inundar-me a casa e não consigo ver mais do que as minhas mãos imersas, enquanto arrumam as fotografias. Tinha prometido queimar tudo, para continuar a minha vida. E enquanto olho para um lume aceso pela raiva, olho também para as fotografias espalhadas pela mesa da cozinha... mas porque raio tiramos tantas fotografias? Acharíamos ser o Henry Miller e a Anais Nin da fotografia? Não as consigo queimar. Eu disse-te que me ia custar perder os nossos rastos. Queimá-las para perder as memórias. Mas ninguém consegue esquecer a curva dos teus olhos. Se fechar os olhos continuo a sentir a tua pele, o cheiro inunda cada poro meu. Nunca pensei estar, ainda, apaixonada por ti ao fim de 30 anos. Sempre te disse que eras muito especial. Continuo envolvida no nevoeiro que se torna cada vez mais denso. Olho as fotografias espalhadas em cima da mesa e já não as vejo... as mãos estão cada vez mais longe.
Lembro-me da nossa conversa de há 2 meses: “Porque me pedes para que seja eu? Compreendes como isso me custa? Não te preocupes, querida, eu não vou sentir mais dor e tu, terás dado a maior prova de amor que algum dia senti. No último momento vou pertencer apenas às tuas mãos. Eu sei que não idealizavas assim o nosso fim... mas a dor não me deixa continuar aqui.”
Às vezes, em tempos, sentava-me na varanda a olhar para fora, enquanto pensava no nosso futuro. Quem morreria primeiro. Como seria o nosso funeral. Desejei sempre ser a primeira. Não queria ficar cá sozinha envolta na impossibilidade de voltar a amar alguém tanto quanto a ti. Nestes momentos fugia para os teus braços, com as lágrimas a caírem com o medo de que tu fosses para casa mais cedo. Enquanto me fazias mimos no cabelo dizias para não me preocupar porque iríamos ter uma morte conjunta e memorável... sempre com o teu bom humor afastavas os meus fantasmas.
Quero cortar a mão que te fez papel, pó, inerte, enfim morto no sossego dos teus olhos, que não são meus nem teus. O nevoeiro inunda-me. O nevoeiro não me deixa ver. Não sou capaz de fazer nada do que te prometi. Desculpa. Mas não pensei que ficar cá em casa sem ti fosse doer tanto... o nevoeiro chega vagarosamente... o nevoeiro atrai-me. Não posso ficar aqui à espera...
6 Comments:
Este agora desconcertou-me um bocadinho... perdi-me algures na doce amargura das tuas palavras... sei, certamente, que isto não é o mais importante nem o objectivo é que se perceba, se não terias escrito de outra forma mas... para o pêndulo? e viveste com a pessoa de quem falas 30 anos? mas tu tens 30 anos...
querida salomé, se fores ao blog relógio parado vais ver lá um desafio, que era re-escrever um texto dele... e isto é a resposta a esse desafio.
Eu entendi que a Isis falava de se própria...
Espero ter entendido correctamente...
não. respondia ao desafio do www.relogioparado.blogspot.com e vejam o desafio... e assim já percebem!
Já compreendi de quem falas, Isis...
Muito interessante este exercício, para além da carga emocional e significado inerentes.
Já te expus com link para aqui.
Obrigado
;)
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