O pleonasmo do sangue

Parece um título de um filme de terror. Mas não é e pode acontecer um dia destes à mesa durante o almoço. Ali na rua das Flores, no Porto, na franja da zona histórica medieval e burguesa encontra-se uma casa de pasto com um nome, no mínimo, irónico: "A confeitaria gouveense". Conhecida pelos clientes habituais como "A gouveense", é a única confeiraria que não tem na montra um pastel sequer. O vidro presenteia o espectador atento com um conjunto de salpições, chouriços, presuntos e queijos da Serra, de pasta dura e mole. O que é que um gourmet pode querer mais? Ninguém dá pela falta dos pasteis!

Local pequeno e de aspecto simples, é preciso chegar cedo para encontrar lugar ao balcão. A simpatia do Sr. José (portista) e da D. Paula (benfiquista) são suficientes para nos esquecermos que estamos num espaço exíguo.

Na "gouveense" às Quintas-feiras é então possível encontrar o menú que baptizei o "pleonasmo do sangue". Isto porque é possível contrar na lista umas papas de sarrabulho de entrada e um arroz de cabidela como prato principal. Ontem assim foi.

Sendo que os cominhos são colocados à discrição do cliente, (o que concordo para que o sabor da especiaria não se sobreponha a todos os outros), as papas estavam bem cozidas e apresentavam uma óptima consistência, o porco bem desfiado e o sangue na quantidade certa. No fim das papas e para preparar a língua para o outro sangue, convém comer um pedaço de pão ou dar uns goles no vinho. A seguir chega a cabidela, que peca por ser feita com frango de aviário, mas com o molho bem equilibrado entre o sangue da galinha e o vinagre. O arroz muito malandro e a galinha que cozeu o tempo suficiente para que absorvesse um pouco do sangue também, fica com um sabor mais intenso.

Para não fugir ao tradicionalismo da refeição, alguns companheiros de investigação arremataram com um leite creme. Eu não, passei para o café! Sobre esta casa ainda haverá mais investigações. Parece que a Quarta-feira também não é de perder. (preço médio, 5€)