Houve um tempo em que...

Houve um tempo em que me deliciava com um certo pôr do sol.

Houve um tempo em que respirava o ar fresco da madrugada com a ânsia calma do dia que nascia e que desejava.

Houve um tempo em que a noite estava cheia de supresas e emoções em cada esquina, cerveja, bar e discoteca.

Houve um tempo em que as drogas eram algo de pecaminoso e atractivo. Portas para outras realidades a descobrir.

Houve um tempo em que cada livro era um tesouro à espera de ser desvendado.

Houve um tempo em que a luta contra os poderosos era um imperativo de consciência.

Houve um tempo em que atravessar o mar era vivido com a confiança e desejo de novas aventuras.

Houve um tempo em que tinha o mundo na ponta dos dedos, o amor como credo nos lábios, a certeza e o prazer da diferença na minha alma.

Esse tempo acabou.

Neste tempo de agora procuro um novo pôr do sol porque construiram um edificio mesmo à frente do meu antigo pôr do sol.

Neste tempo de agora o ar fresco da madrugada já não me diz nada.

Neste tempo de agora, a noite, a cerveja, os bares, as discotecas são uma sucessão de dejá vus.

Neste tempo de agora as drogas são algo de banal.

Neste tempo de agora são mais raros os tesouros encontrados entre folhas de papel.

Neste tempo de agora o cansaço e o cinismo adormeceram o revolucionário que há em mim.

Neste tempo de agora o mar é sempre igual.

Neste tempo de agora, o mundo está reduzido a quatro paredes brancas, dos meus lábios não sai nada, a minha alma enegreceu-se.

Amanhã os meus olhos fixar-se-ão noutro pôr do sol.

Amanhã o ar da madrugada será novamente refrescante.

Amanhã as drogas levar-me-ão a novas dimensões.

Amanhã a noite será feita de sonhos acordados.

Amanhã escreverei eu um tesouro.

Amanhã serei eu o poderoso.

Amanhã o mar será novamente uma fronteira para o desconhecido.

Amanhã terei o universo na ponta dos dedos, o amor no coração, uma alma diferente.

Porque não começar o amanhã hoje?