sexta-feira, agosto 25, 2006

A estrada velha

Fartámo-nos de dizer com prazer:
- Não é por essa que queremos ir, é pela Nacional dois!
- Ahn… os senhores querem a estrada velha… muito bem! Virem ali à esquerda e sigam em frente…
Seguir em frente levou-nos até Faro, sempre pela estrada velha. A verdade é que o detalhe dos dois mapas que levámos e dos 3 que consultamos fazia a Nacional dois desaparecer várias vezes e transformar-se numa série de números muito maiores que não nos interessavam nada. Contudo, havia sempre dentro de nós a sensação que, mesmo sem registo, ela lá devia estar. Portanto redobramos o esforço para a encontrar e para rolar sempre em cima dela. Ninguém arranca alcatrão do chão!

Quando o mapa não ajuda, ajuda a gente que lá está e que sempre viveu com ela à porta. Mesmo que o instinto as faça apontar-nos o braço para as icês e ipês semeadas, a nossa resposta era sempre a mesma:
-Não é por essa que queremos ir, é pela Nacional dois!
-Ahn… os senhores querem a estrada velha…

Uns tipos esquisitos estes que perguntam pela estrada velha e mais nada que a estrada velha. Uma recepcionista de hotel em Vila Real, um homem numa esplanada em Lamego, duas raparigas em Castro Daire, uma lavradora em Valverde (Tondela, quando já andávamos por caminhos de cabras e concluímos aquela não ser a Nacional 2), um GNR em Santa Comba Dão, um homem alto em Oliveira do Mondego. Todos nos falavam da estrada velha. No Alentejo foi mais fácil. Só Castro Verde não tem indicações.

A estrada velha, como todos, foi sendo comida pelo tempo, perdeu o vigor, a maior parte da gente esqueceu-se dela, foi-lhe arrancando o que necessitava e deixou-a lá num canto. Há mesmo alturas em que a estrada velha se sente abandonada e só, porque ninguém já lá passa. O velho rico imponente cheio de pergaminhos quando vivia a adultez, exacerbava-se por correr o país todo! Quem queria ir daqui ali passava sempre por ela, nem que fosse um cruzamento!
Passa rios, passa o Douro, passa o Tejo, passa montes, o Alvão e o Caldeirão, passa o centro geodésico na nação, Vila de Rei! Passa termas, em Vidago, Pedras Salgadas e Carvalhal e passa História como Alcáçovas e Campo de Besteiros. Passa barragens, em Castelo de Bode e Montargil e passa nomes engraçados como Moura Morta, Curalha ou Agua de Todo o Ano… Sabe tudo, conhece todos. Nasceu num castelo em Chaves e morrerá numa praia em Faro. Cresceu 738 quilómetros... Mas vieram as novidades e lá foi ele ficando para trás. Esquecido e perdido no fim da fila, sem lugar nos mapas e procurando um lugar na História.

Agora, como os velhos, só aqueles que se preocupam é que os vão visitar. Vão lá e procuram as histórias que tem para contar e ver pelos olhos dela as coisas que estão à sua volta. E comos esses velhos, é preciso falar-lhes com paciência e com tempo para que ela comece a desfolhar as suas histórias, para que nos deixe tirar fotografias, para que nos deixe ficar ali um bocado ao lado dela sem se sentir incomodada. E tanta coisa abraça, tanta coisa tem ainda para contar.

Mas não posso ser injusto. Há quem se preocupe com ela, quem lhe dê remédios e a mande fazer exercício. Honra seja feita àqueles que compreendem a importância da estrada velha, que dali os leva a todo o lado e que ainda pode trazer estes tipos esquisitos. No sul do Alentejo e no Algarve a nacional dois é estrada património, recuperada com os marcos e placas antigas, rails de betão armado e cabos de aço, casa de cantoneiros e parques de descanso como no dia em que nasceu. Em Abrantes também. E em Ribolhos…

Este velho consegue ser como o rio da aldeia de Alberto Caeiro: Quem está ao pé dele, está só ao pé dele.

6 Comments:

At 7:06 da tarde, agosto 25, 2006, Anonymous Anónimo said...

Aqui está um texto brilhante, sem presunções vulgares, sem retórica patética, sem o lisonjear servil do seu Ego, sem o amorfo bolor dos para-intelectuais de esquerda, do centro ou de direita que tentam brincar ás escondidas com os verdadeiros iluminados.

 
At 2:50 da tarde, agosto 26, 2006, Blogger rps said...

Que bela posta! Tens de postar mais vezes, oh Falstaff, sejas lá quem fores.

 
At 4:37 da tarde, agosto 27, 2006, Blogger Elentári said...

Obrigada por este post, foi uma lufada de ar fresco neste blog. Concordo com o rps, tens de postar mais vezes. :)

 
At 9:25 da manhã, agosto 28, 2006, Blogger Ísis Osíris said...

com todos estes aplausos, tens mesmo de voltar! :)

 
At 9:19 da manhã, agosto 29, 2006, Anonymous Anónimo said...

Bom,

O que é bom em regra é reconhecido. e a prova é que este é o 5 comentário a um texto muito bem escrito. thanks! estou cheio de vontade de conhecer a Estrada nº2.

Abraço
Jgomes

 
At 4:28 da tarde, maio 11, 2008, Anonymous Anónimo said...

ESTAR AO PÉ DE TI, É MESMO ESTAR SÓ AO PÉ DE TI
OBRIGADA
FABÍOLA VALENÇA

 

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