As Casas, de Dóris Graça Dias
"Quantas casas habitaste? Conta-as, recorda-as, uma por uma, e diz-me, francamente, se alguma ficou por cumprir. Diz-me se, em alguma, deixaste um desejo inacabado que, em outra, não tivesses afirmado. O que te deram as casas se não aquilo que tu és e não desejarias fosse de outro modo! Conta-me o bem que as moradias te fizeram: o que aprendeste nelas; o que deixaste nelas; o que trouxeste delas.
Vá!, conta-me; não me deixes nesta angústia de julgar que só eu gozei as casas que habitei.
Mas não mas descrevas por fora que, por fora, qualquer um as entende. Quero que me fales das escadas onde escorregaste num desejo de vertigem, dos corredores onde inventaste correrias, das varandas onde observaste a distracção dos que passam, dos quartos que arrumaram o teu sono de insónia e a que foste emprestando a tua maneira de crescer, numa profunda cumplicidade com o tempo.
Conta-me tudo isto, porque é importante entendermos que as casas se querem por dentro. Nossas! Tal como por dentro nos queremos a nós. E que bom é ter memória de muitas casas. Perceber que em algum dia lhes dominámos as paredes e soubemos encontrar-lhes recantos onde, à sorte, abandonámos segredos."
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