segunda-feira, setembro 26, 2005

O rio abre-se mesmo na minha frente. As gaivotas andam de um lado para o outro, sobrevoando as pessoas que se passeiam num domingo de manhã. Estou com sono, mas não consegui ficar em casa: o tecto fechava-se mesmo sobre mim. Sentia-me asfixiar. Sentia-me desfalecer. Precisava sair. Abrir uma porta para o exterior. O movimento do rio entra em mim, percorre-me o corpo e deixa-me. Deixa-me sempre depois deste percurso. E eu encontro-o sempre depois disso. A sensação de liberdade que o movimento dá. Em casa sinto-me presa. Quase sempre. Não tenho nenhum canal de comunicação com o exterior. E hoje sentia o tecto fechar-se sobre mim… Precisei de me abrir ao mundo.

Lembro-me vagamente de ter passado uma noite da semana passada a pensar sobre o significado de amor. O meu significado, como é óbvio. Acho, até, que escrevi sobre isso na sobremesa de um jantar sob outro rio. Tem alguma piada: eu não me lembro de nada do que escrevi nessa noite. O meu significado para o amor ficou reduzido a umas linhas, cujo conteúdo já não me pertence. Às vezes, parece que escrever me desapropria das ideias que tenho. Saem de mim, mas deixam de fazer sentido. Deixo de me lembrar. Deixo de falar delas. Outras vezes, as ideias mantêm-se. Não as consigo deixar partir. Aprisiono-as, exactamente como o tecto me aprisiona a mim. Sentir o amor. Falar o amor. Já falei. Sinto-o de forma incerta. Como incerta é toda a sensação de liberdade. Sinto-o fugir-me por entre os dedos. Tenho cada vez menos ideias sobre ele. E as que sobravam? Essas estão aprisionadas no meio de um livro de capas negras. Não faz sentido voltar a recuperá-las. A minha ideia de amor reflecte-se. Com muita atenção consegue-se lê-la nas águas de um rio qualquer. No mar, não se consegue ler ideia de amor. No mar é sempre a ideia de partir.

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