crónicas de uma rapariga gira sem namorado aos 30 anos # 54
Já não sei a que propósito é que ontem começaram a falar de mim na esplanada junto à praia, debaixo de um céu encoberto e de um vento frio de maresia. Um deles, dizia que sempre que me via, encontrava sempre a mesma forma de estar. Bem disposta e com um sorriso simpático. Começou a dizer que o outro, que acabava de me conhecer estava a olhar para as minhas pernas, só porque como estava frio, eu não os presenteava com os habituais decotes generosos. O outro riu-se e disse que eu sabia bem para onde estava ele a olhar. Para não me perguntarem porque não queria sentir-se embaraçado. Eu ria, sem fazer ideia de para onde estava o olhar dele orientado, mas deixando no ar que sabia. A conversa continuou e eu esqueci aqueles breves momentos até à noite. Falarem de mim é já um tema a que me habituei sempre que num grupo não se sabe do que falar. Acho que dou sempre algum material para isso. Ao contrário do que possa parecer a maioria das vezes é tão espontâneo que nem dou por isso.
Com esta conversa recuei um pouco no tempo e lembrei-me de uma rapaz, daqueles que nos parecem inatingíveis, me dizer que eu mexia no cabelo de uma forma que não deixaria um único homem indiferente. O pior é que ele achava que esse gesto pertencia a um conjunto de rituais de sedução, pensados e estudados para o efeito. Pensei que ele estava a gozar comigo. Se mexo nos caracóis é só porque se tornou num tique nervoso. Acho eu. Na altura, tal como já disse, achei que ele me gozava. Depois um outro me disse exactamente o mesmo e pediu-me para eu parar. Pareceu-me mais sério do que o primeiro, mas continuei sem perceber o que tinha de sensual enrolar os dedos nos caracóis.
Depois foi o meu amigo que começou a dizer que não apresentava mais amigos, porque começavam a ligar-lhe para falarem de mim. Que ficavam perigosamente presos pela minha voz. Ao que eu replicava que se tinha uma voz sexy, porque rouca, era apenas por estar a desenvolver qualquer problema nas cordas vocais devido ao tabaco ou às saídas nocturnas ou quem sabe por falar demasiado. Nunca tinha pensado que pudesse ter uma voz sensual. E depois vem outro que diz a mesma coisa e ainda outro. Comecei a achar um exagero. A verdade é que existem vozes masculinas extremamente sedutoras, mas nunca achei que alguém pensasse o mesmo a respeito da minha, em versão feminina.
A que propósito é que eu me lembrei destas pequenas conversas? Para mim são estranhas. Passei a grande parte da minha vida a ser o patinho feio entre as minhas amigas. Outra parte a sentir-me assim. E metade de mim continua a sentir-se exactamente da mesma forma. Faz parte da minha auto-estima baixa. E de repente ouço estas coisas que me soam estranhas e inadequadas a mim. Mas que deixam a pensar que talvez tenha uma leitura errada sobre a realidade que sou. De desinteressante a interessante vai um contínuo de possibilidades.
É curioso como o facto de se ser um patinho feio durante um determinado tempo nos leva a adoptar uma série de premissas para avaliar a realidade. E como essas premissas nos podem toldar o olhar e a forma de encarar as situações. Por outro lado não sei se os que sempre foram cisnes serão mais felizes do que nós, os patinhos feios. O contacto que tenho com algumas pessoas faz-me crer que não são. Quanto a mim tem sido uma descoberta interessante. Tem-me feito perceber que me tenho em baixa conta. Que não me dou conta do impacto positivo que posso ter nos outros. Pergunto-me do que se darão conta os cisnes e os outros patinhos feios, no momento em que chegaram ao fim do texto.
5 Comments:
Obrigado!
Desculpa lá, mas este post tem muito pouco de baixa auto-estima! No fundo, tal como todos, valorizas os galanteios e os elogios e esses contribuem para que te sintas bem. Sabes bem que és sedutora e que sabes chamar a ti o sexo oposto e isso não é defeito mas sim virtude, tens é que o admitir!
Fartei-me de rir na parte do amigo que disse que nunca mais te apresentavam amigos porque não paravam de lhe ligar por tua causa... eheheh.
Também sou dos que se acham patinhos feios, gostei de todo o texto foi engraçado e ao mesmo tempo sério.
Beijos.
Magnólia, eu não disse que não tinha aprendido a ficar progressivamente realista ;)
(sei que este post é colocado muito tarde, portanto a pergunta ficará sempre no ar...) Não haverá algum estudo científico sobre os patinhos feios? Sempre me considerei patinho feio e sempre tentei fazer disso uma vantagem. Os cisnes não sei como fazem ou se sentem, mas quando os observo na arte de sedução, sei que aquele não é o meu jogo.
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